Anexo in “Campeiros do Paraná Tradicional” - Carlos Zatti
A origem, ou a entrada, das bombachas no cone-sul (bacia do Prata), carece mais pesquisas, notadamente por parte dos estudiosos do tradicionalismo gaúcho do Rio Grande do Sul, que se ateve à versão de que teriam chegado como uniforme cavalariano, adquirido no oriente médio, pelos ingleses, e entregues aos exércitos da “Tríplice Aliança” durante a Guerra contra o Paraguai.
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| Ilustração de Vera Stedile Zattera |
No Paraná (Capitania/Comarca de Paranaguá e Curitiba), quase um século antes da Grande Guerra, documentos registram a presença das bombachas.
Para ilustrar, reproduzimos pesquisa do escritor paranista José Carlos Veiga Lopes:
AS BOMBACHAS DO PADRE REIS
“Segundo o Dicionário Houaiss bombachas seriam calções folgados que se atavam por sob os joelhos e antigamente, no século XVIII, certos calções largos de montar. A palavra viria do espanhol calzon bombacho, espécie de calção largo, aberto em um dos lados, indo até os joelhos, que era usual na Andaluzia, provavelmente de bomba+acha+s, pelo feitio arredondado e avultado da vestimenta que sugere a figura de bomba. Diz também que entre os gaúchos eram certas calças muito largas, cingidas nos tornozelos por botões., que datava provavelmente da segunda década do século XIX.
Segundo o mesmo Dicionário Houaiss, as primeiras citações de bombachas no Brasil estariam registradas na coleção Documentos para a história do açúcar, publicadas pelo Instituto do Açúcar e Álcool. No volume 3, publicado no Rio de Janeiro, em 1963, Engenho Sergipe do Conde. Espólio de Mém de Sá (1569-1579); e no volume 2, publicado no Rio de Janeiro em 1956, Engenho Sergipe do Conde, Livro de Contas (1622-1653), este no século XVIII, página 326.
Ainda segundo o mesmo dicionário, na língua portuguesa o primeiro registro em dicionário seria de Rafael Bluteau em seu Vocabulário português e latino, 8 volumes, publicados entre 1712 e 1728.
Bombachas – Calsoens de seda que ou se trazião com tufos, ou garambazes; erão muito largos & se atavão pelos juelhos. ‘Fluxae luxitatis bracae’, ou ‘braccae, holoferic.e’. Plur. Fem.
Traduzindo a descrição: Calções de seda que ou se traziam com tufos, ou garambazes; eram muito largos e se atavam pelos joelhos.
Explicando algumas das palavras:
Garambazes era o mesmo que barambás, coisa que vai pendendo.
Braca,ae – bragas, calções compridos, largos e apertados em baixo, usados pelos bárbaros, ou então bragas usadas pelos romanos.
Laxitas, tates – no sentido próprio era grande extensão, espaço e no sentido figurado comodidade, bem estar.
Fluxus – largo, solto, pendente, relaxado.
O padre João da Silva Reis nasceu provavelmente na paragem chamada Boa Vista, nos campos da Lapa, onde seu pai assistia desde mais ou menos 1719. Foi batizado no dia 7 de agosto de 1730 na igreja matriz de Nossa Senhora da Luz da vila de Curitiba e era filho de João Pereira Braga e de Josefa da Silva, ambos portugueses, casados em Curitiba no dia 14 de janeiro de 1726.
Foi ordenado presbítero em 1757. Após ordenado costumava celebrar sacramentos na capela de Nossa Senhora da Conceição do Tamanduá. Foi o primeiro vigário da freguesia de Santo Antônio da Lapa, criada em 13 de junho de 1769.
O padre foi proprietário de fazendas de gado na região da Lapa.
Na relação de 1772 a fazenda do reverendo vigário João dos Reis na freguesia de Santo Antonio da Lapa, era distante da estrada uma légua. Em 1782 comprou fazenda no Campo do Tenente.
O padre provavelmente costumava voltear suas terras para apreciar as criações e divisas e para isso não montaria usando batinas, vestimenta pouco prática para cavalgar, teria trajes mais apropriados, o que se constata examinando seus bens inventariados.
Faleceu na freguesia de Santo Antônio da Lapa no dia 21 de fevereiro de 1785. No seu inventário foram avaliados bens de raiz, animais, escravos, vestimentas e outros. De bens de raiz foram avaliados a metade do campo no Campo do Tenente, 3 campinas com seus pedaços de terras lavradias místicas com o Barreiro e Rocio e uns campos chamados os Barreiros, de sociedade com Miguel Garcês e pedaços de matos lavradios; tinha também animais no Cercadinho. Possuía cerca de 310 cabeças de gado vacum, cerca de 250 de gado cavalar, asinino e muar, 36 ovinos e 7 suínos.
Neste inventário foram avaliadas duas bombaxas novas sem uso algum em mil e duzentos e oitenta rs, documento mais antigo em que vimos o uso da palavra bombachas no sul do Brasil. Alguém poderia dizer que se tratavam de calções ou ceroulas, mas no mesmo inventário foram avaliados hum calcao’ de Canga em bom uzo azul em mil e quinhentos rs, um outro de Canga amarela já uzada em seiscentos e quarenta reis e duas cyroulas velhas em trezentos reis.
Outro lapeano, Salvador José Correia Coelho, relatando no livro Passeio à minha terra, publicado em 1860, viagem que fez a sua terra entre dezembro de 1844 e janeiro de 1845: Aquele que nos Campos Gerais entrega-se continuamente ao costeio da criação no campo, fazendo o serviço a cavalo, é conhecido por ‘monarca da coxilha’. Descreve todo o vestuário masculino e quando chega às pernas diz: calças mui largas com feição de ceroilas. Esta descrição está muito semelhante à de bombachas.
No sul do Brasil e países do Prata o uso vulgarizou-se em meados do século XIX.
De um site sobre o uso da bombacha no Uruguai, existem duas versões. Uma que a origem se remontaria à guerra da Criméia, onde as tropas aliadas usaram uniformes similares ao dos turcos, adotando suas amplíssimas calças comprida, e devido à grande produção e ao concluir inesperadamente a contenda as sobras foram remetidas ao Prata, onde os soldados a usaram, mas continuaram as sobras e foram enviadas às vendas onde os peões a adotaram; isso pela época de 1855 a 1856. Outra versão diz que o general Fructuoso Rivera pedia a sua esposa, via postal, que lhe enviasse bombachas, mandame unos calsones de merino mordore von vachas o como generalmente cedice alo chino, el Gen. Medina me ametido en esto y por esta rrazon te dio este petarde, no te olvides de mandarme las vatas, isto em 1843 no Uruguai, ou seja, que a vestimenta tinha uma origem e terras uruguaias um tanto dilatadas, mas sua ascendência turca era praticamente inegável. (baseado em Fernando O. Assunção em El gaúcho – 1963).
Segundo Antônio Augusto Fagundes em seu livro Indumentária Gaúcha (1976): Coincidindo em traços gerais com a Guerra do Paraguai surge no pampa uma peça de indumentária: os ‘calções bombachos’, as ‘calças bombachas’, ou simplesmente ‘bombachas’. No Uruguai, onde apareceram antes, são também chamados ‘calzones chinos’, porque tudo que fosse do Oriente, para os castelhanos, era chinês.
Continuando: Foram provavelmente os comerciantes ingleses que introduziram essas calças fofas em Montevidéu, sobras de guerras colônias onde o inglês copiava livremente o traje dos povos conquistados. No caso, a bombacha era turca, em sua origem, e não árabe, ao contrário do que supôs Manoelito de Ornellas.
Mais adiante: No RS, a bombacha toma conta da campanha em pouco mais de vinte anos. Sim, porque começa a ser usada na Guerra do Paraguai, ou um pouquinho antes.
Concluindo: já em 1785 nos campos da Lapa, nos Campos Gerais de Curitiba, um padre fazendeiro usava bombachas, que não necessariamente seriam os mesmos modelos usados posteriormente pelos campeiros do sul do Brasil e países do Prata, e em 1844 os habitantes dos mesmos campos gerais usavam calças muito largas com feição de ceroulas”. (Boletim do IHGPR – 2007, Curitiba – PR)"

1771 – 24/12 — O cadete Francisco Olyntho de Carvalho, relata em seu diário que, no dia 16, no Porto do Pinhão do Rio Jordão: “João Lopes que alcançara os filhos, lhes vestiu suas bombachas, dando a véstia de guingão que tinha, a um dos filhos, e a camisa de Bretanha a outro [...]. Vários rapazes de 8 anos para cima, todos bem feitos. A um vestiu Antônio da Silva Freitas, dando-lhe camisa de linho, calção branco, véstia, chapéu [...] É quanto se tem passado nestes Campos de Guarapuava com os índios da nação Xaclan”... (24/12/1771). — NB: Este o primeiro registro documental do uso de bombacha no Sul do Brasil.
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